Caros leitores! Regularmente estaremos aqui postando temas de interesse geral em matéria de Seguridade Social, que compreende não apenas a Previdência Social (em especial as políticas executadas pelo INSS), mas também a Saúde e a Assistência Social, que conjuntamente formam o macrossistema de proteção social destinado a amparar e assistir o cidadão e a sua família em situações como a velhice, a doença e o desemprego, assim definido pela Constituição Federal de 1988. Nosso objetivo é instigar o leitor sobre o debate de questões controversas e informar a população sobre seus direitos e deveres em matéria de Seguridade Social.
Questão tormentosa escolhida como primeiro tema a ser abordado diz respeito à perícia médica administrativa, ou seja, aquela realizada pelo segurado (todo e qualquer cidadão que de alguma forma esteja vinculado à Previdência Social) junto ao INSS em situações de alegada incapacidade laborativa. Delimitando o assunto, por se tratar de matéria extensa e complexa, vamos nos ater, por ora, especificamente ao seguinte ponto: presença de advogado ou acompanhante em exame médico pericial a pedido do segurado. A relevância do assunto se justifica na medida em que inúmeros segurados se queixam de maus tratos – gerando até mesmo traumas psíquicos – advindos de perícias realizadas por alguns médicos peritos do INSS, no tocante ao tratamento por vezes indelicado, descortês e arbitrário.
Como é de conhecimento geral, o médico perito do INSS define quando e quem pode acompanhar o segurado durante o exame médico pericial, fazendo com que este mesmo segurado, caso venha a sofrer algum tipo de maus tratos no ato de realização da perícia, sequer tenha como provar tal situação, pois na grande maioria das vezes entra desacompanhado na sala de perícia médica.
A pergunta que se faz é: como acompanhante, o advogado ou qualquer outra pessoa poderá se fazer presente durante o ato pericial a pedido do segurado? Cremos que a melhor resposta para tal indagação seja SIM!
Justifica o médico perito sua negativa de permitir a entrada do acompanhante sob o fundamento de sigilo profissional, assegurado no Código de Ética Médica (Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019).
Contudo, o mesmo Código de Ética Médica, ao tratar do sigilo profissional, dispõe em seu artigo 73 que é vedado ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.
Ou seja, o próprio Código de Ética Médica estabelece expressamente que caso o paciente abra mão, por escrito, de sua “intimidade” em favor de seu acompanhante, a este será assegurada a presença no ato da realização da consulta médica. Tal raciocínio se aplica às perícias médicas realizadas junto ao INSS, por se tratar de idêntica relação médico-paciente.
Assim, se a entrada do acompanhante na sala de perícia é solicitada pelo próprio segurado, não há como impedir que o mesmo se faça presente durante todo o ato pericial. E a justificativa é simples: se o maior interessado na sua intimidade (o paciente submetido ao exame pericial) abriu mão dessa prerrogativa, por que o médico a estaria preservando? Não há o menor sentido nisso. É como querer proteger um bem de outrem que nem sequer existe mais. Ou como insistir em preservar os móveis de uma casa que já foi completamente esvaziada por livre vontade do próprio dono[1].
Ainda de acordo com o Código de Ética Médica, é vedado ao médico “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo” (ar. 24).
No mesmo sentido, a Nota Técnica SJ nº 31/2015 do Conselho Federal de Medicina conclui que “o advogado, no exercício de sua profissão, tem direito assegurado pelo art. 7º, inc. I, III e VI, letras “c” e “d” do EOAB, Lei 8.906/94 de fazer-se acompanhar de seu cliente, quando solicitado, nos exames periciais em âmbito judicial ou administrativo”.
Importante, quanto ao ponto, informar, conforme consignado no art. 18 do Código de Ética Médica, que é vedado ao médico “desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los”, sob pena de incidir nas sanções disciplinares previstas no art. 22 da Lei nº 3.268/57, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina.
Além disso, o próprio INSS emitiu o Memorando-Circular n° 10/2011, no sentido de que:
“Assunto: Solicitação de acompanhante durante o ato da perícia médica
1. Orientamos aos Gerentes-Executivos e das Agências da Previdência Social que garantam aos segurados o direito de solicitar a presença de um acompanhante durante o ato da perícia médica, ressalvados os casos em que o perito médico entenda, fundamentadamente, que sua presença possa interferir no ato pericial.”
Finalizando, o que realmente se espera, é que o Projeto de Lei nº 10670/2018[2], de autoria do deputado Herculano Passos, e que dispõe, dentre outras matérias, sobre a permissão do segurado ou beneficiário ser acompanhado de pessoa de sua confiança durante a perícia médica e social junto ao INSS, possa ser aprovado, o que colocaria uma pá de cal sobre o tema. O Projeto de Lei tramita em caráter conclusivo, sendo que em 20/08/2019 ele foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, aguardando apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.
Conclui-se, portanto, que é direito do segurado apresentar-se acompanhado (seja por advogado ou qualquer outra pessoa à sua escolha) para a realização da perícia médica na agência do INSS, desde que solicitado por ele por escrito, valendo ressaltar que o médico perito só poderá negar a presença do acompanhante se entender, de maneira fundamentada e por escrito, que sua presença possa vir a prejudicar o ato pericial. Aplica-se às perícias médicas judiciais o mesmo entendimento aqui posto.
Até a próxima!
Faça valer seu direito! Informe-se! Não há arma mais poderosa que o conhecimento!
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Autor: Aluízio Machado Pinto Farage
Perfil: Advogado fundador do escritório Aluízio Farage Advocacia, com sede em Cataguases/MG; Especialista em Direito da Seguridade Social com ênfase em Direito Previdenciário; Associado do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP e do Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV.
[1] Fonte: Livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos”, Terceira Edição – 2013 / Editora LTr. Autor: Marcos Henrique Mendanha.
[2] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2182467